sexta-feira, julho 22, 2005

Desabafo de um cidadão atento...

Transcrevo a carta do amigo Carneiro, cidadão atento, impedido de intervir activamente na vida comunitária pelo seu partido:

Exmº Senhor

Presidente da Concelhia de Lisboa

de "um" Partido Político

LISBOA

Lisboa, Julho de 2005

Assunto: Se não posso intervir, mais vale ir-me embora

Exmº Senhor Presidente,

Sou eleitor da Freguesia de Alvalade, Lisboa. Correspondi oportunamente ao convite preenchendo e enviando o impresso através do qual me disponibilizava para trabalhar nas próximas eleições autárquicas.

Compareci a uma reunião concelhia na qual tentei que se discutisse o conteúdo de propostas concretas para os eleitores da minha freguesia. Com paternalismo e simpatia, aconselharam-me a estar calado, pois que em breve se iriam promover reuniões por freguesia nas quais, então e só então, se tratariam desses conteúdos.

Não mais fui convocado, até á reunião de aprovação das listas ocorrida a semana passada. Mas nessa noite, nem cheguei a votar. Vim-me embora. Ofuscado com o brilho de tanta gravata esticada na direcção do lugar almejado.

E agora venho pedir a minha desvinculação partidária.

Acredite quem quiser, mas nunca estive preocupado em integrar qualquer lista, à excepção talvez do simbólico e inofensivo último lugar. Simbólico porque demonstrativo do meu compromisso, inofensivo porque não ocuparia lugares que, pelos vistos, são tão disputados.

Ingenuamente pensei que poderia dar o meu contributo a um programa eleitoral e, desse modo, influenciar o futuro próximo dos meus 3 filhos e o lugar físico onde os estou a criar – a freguesia de Alvalade.

A minha única “ambição política” traduz-se em fechar ao transito automóvel a avenida de Roma – Praça de Londres / Rotunda da Estátua de Santo António – aos domingos de manhã e promover o exercício do ciclismo.

Pôr pais, avós, filhos e netos a andar de bicicleta todos os domingos de manhã na Avenida de Roma. As vantagens da prática do exercício físico, o negócio das pastelarias, dos restaurantes e das lojas da avenida e contíguas, a poluição automóvel a ser interrompida durante uma manhã em cada sete dias. Apenas isto.

Em contactos informais recolhi boa recepção por parte dos comerciantes – alguns afirmaram que poderiam abrir o seu comércio ao domingo, só para aproveitar o fluxo de pessoas.

Adivinha-se o apoio institucional das Fundações e Associações de Cardiologia, de Pneumologia, do Instituto do Desporto, da Federação de Cicloturismo, de todas as entidades que promovem o desporto de massas como condição de melhoria da saúde pública.

De certeza que se arranjariam uns patrocínios de uma Cola qualquer ou de outros mais habituais no ciclismo profissional que a troco de publicidade suportariam o custo do policiamento – neste campo nada pesquisei, mas não custa adivinhar.

Enfim, todos os vizinhos com quem tenho falado sobre o assunto, aceitam com entusiasmo a ideia. Bem como suportariam com amabilidade o incómodo de não utilizar o automóvel ao domingo de manhã.

Enfim, segundo a opinião das pessoas que tenho contactado, trazer para a avenida de Roma a “marginal de Oeiras sem carros” é uma óptima ideia.

Aqueles que me conhecem da militância cicloturística – medida pelos 7.000 Km anuais que faço em bicicleta – acham que seria viável uma operação comunitária deste tipo até pelos contactos privilegiados de que disponho “no meio das bicicletas” e, sobretudo, pelo mérito da iniciativa.

Mas o meu Partido não me quis ouvir. Fechado no seu método de criação de listas, optou por arrumar candidatos em vez de discutir programas.

E, assim, em termos de actividade partidária o mais que posso ambicionar, com realismo, para o dia da votação será uma convocatória de véspera para representar o Partido numa das mesas eleitorais. E como terei que declinar, porque prefiro de longe aproveitar esse dia para andar de bicicleta, mais vale despedir-me agora do Partido do que ser obrigado a violar, mais tarde, um dever de colaboração estatutário.

Não sei se é perante o Presidente da Concelhia de Lisboa que deva solicitar a minha desvinculação enquanto militante do Partido. E convenhamos que estou desiludido em demasia para me dar ao trabalho de ir consultar os Estatutos.

Vou tentar influenciar o futuro dos meus filhos noutro lado. Não noutro partido. Mas talvez noutro país, onde eu tenha possibilidade de me expressar enquanto cidadão empenhado e consciente dos deveres da minha paternidade e da minha cidadania.

Com os melhores cumprimentos

Atentamente

carneiro, militante nº 007

Escrito por Elise às 2:15 da tarde

12 Comments:

Querida Elise
Acho que já estão a formar fila para sair do país... eu já tirei a senha :)
Um beijo
Daniel
Blogger Daniel Aladiah, at julho 22, 2005 3:25 da tarde  
Minha amiga N/ sei mesmo o que mais falta, para dizer-mos que isto deixou de fazer sentido.
Bjs e Bfs
Blogger Crepúsculo Maria da Graça Oliveira Gomes, at julho 22, 2005 4:00 da tarde  
Daniel vais mesmo emigrar?

Adryka é verdade.

bjos aos dois
Blogger Elise, at julho 22, 2005 4:47 da tarde  
Daniel vais mesmo emigrar?

Adryka é verdade.

bjos aos dois
Blogger Elise, at julho 22, 2005 4:47 da tarde  
Elise.

Não vi. O que disseram eles?
Blogger Dr. Assur, at julho 22, 2005 4:53 da tarde  
Para ti, um excelente fim-de-semana. :)

Beijinhos.
Blogger Diana Bento, at julho 22, 2005 5:26 da tarde  
Por alguma razão (?) lhe chamo desde há umas semanas: a FANTASIA! Isto, não pode ser verdade.....é demasiado surrealista....
Anonymous Anónimo, at julho 22, 2005 7:23 da tarde  
Quando um caneiro já não pode entrar na carneirada, alguma coisa vai mal na Arca de Noé, ou não é?
Blogger Sergio Barroso, at julho 22, 2005 10:17 da tarde  
A que horas é que colocas hoje o post do boa noite? Não estás à espera que acabe o Benfica, pois não? :))
Blogger Sergio Barroso, at julho 22, 2005 10:19 da tarde  
Interessante o numero de militante, eu fui o numero 5 mil e tal de um partido (sera o mesmo?) com apenas 15 anos, antes de fundarem a Jota desse partido, para a qual me transferiram dada a minha tenra idade. Infelizmente perdi o cartao numa mudanca, era branco e preto e representava para mim uma epoca de luta pelos ideias democraticos. Mais tarde fizeram outros mais modernos, com foto e a cores. Pergunto-me qual seria hoje o meu numero nesse partido se nao me tivesse zangado com a politica, os politicos e os partidos ja ha muitos muitos anos.
Ola Elise, que se passa com o Benfica? Aposto que perderam, esta-se mesmo a ver. AHAHAHAHAH!!!
Anonymous Anónimo, at julho 22, 2005 11:56 da tarde  
O nº 007 é ficção. Obviamente. O meu número de militamte de Lisboa era o 11060 5201. (só para não deixar dúvidas quanto à genuiniddae da carta.)

O resto é a frustração de quem só quer fazer alguma coisa pelo bem comum.

Expliquem-me se estou errado, que não tenho razão...

Mas não me ignorem.

Já recebi uns telefonemas, não por causa do ciclismo e da questão material em causa, mas porque os aparelhistas andam a empurrar uns para os outros as culpas funcionais da situação objectiva.

Não há pachorra...

Obrigado aos que partilharam o meu momento de frustração enquanto cidadão politicamente interventor.

Foi a última hipótese que concedi ao regime.

Agora, mais que nunca, a minha prioridade é educar e preparar os meus filhos para eles irem viver para fora de Portugal.
Anonymous Anónimo, at julho 25, 2005 11:59 da manhã  
Bem, pelo menos causaste alguma agitação.E se quiseres podes aborrecer ainda mais o teu partido.

É doloroso dizer isto, mas parece qye a +unica esperança para as futuras gerações é a emigração.

Este país faliu, bateu no fundo. E não se ergue.
Blogger Elise, at julho 25, 2005 4:04 da tarde  

Add a comment