domingo, novembro 12, 2006
Cerco do Porto 1832/33 (Parte II)
(continuação, parte I aqui )
II - Acções militares de D. Pedro para resgatar o trono de sua filha D. Maria
A 7 de Abril de 1831 vê-se D. Pedro I , Imperador do Brasil , obrigado a abdicar deste titulo no Rio de Janeiro libertando-se deste modo o Brasil de qualquer ligação a Portugal . Sai o ex-imperador do Brasil para a Europa aonde prepara uma expedição militar para conseguir resgatar o trono de Portugal para sua filha em quem abdicara a 2 MAIO 1826 . A expedição é preparada em Inglaterra , armada em Belle-Isle e parte para os Açores . Desembarca a 3 Março na Terceira aonde irá preparar a expedição ao Reino . A expedição partirá da ilha de S. Miguel para o continente a 27 JUN com uma força militar de 7 500 homens constituída por 3 Divisões sob o comando do Conde de Vila Flor : - A Divisão Ligeira constituída por Batalhões de Caçadores 2 , 3 e 5 . A 1ª Divisão de Infantaria constituída pelo Batalhão de Caçadores 12 e os Regimentos de Infantaria 3 , 6 e 10 . A 2ª Divisão de Infantaria constituída pelos 1º , 2º e 3º Batalhões de Infantaria 18 e ainda o Batalhão Inglês e o Batalhão de Voluntários da Rainha . Dependendo directamente do comandante do Corpo Expedicionário , o Batalhão Académico , o Batalhão Sagrado ( ou de Oficiais ) e o 1º Batalhão de Artilharia de Campanha ( note-se a ausência de qualquer Batalhão de Cavalaria ) .
No continente aguardava-os os 80 000 homens de D. Miguel !
###
Sabendo de antemão da elevada desproporção das forças em presença , o Estado - Maior de D. Pedro evita o desembarque em Lisboa e rumará a norte aonde a 7 JUL 1832 fica a pairar frente à praia de Pampelido ( junto à povoação de Mindelo ) . O desembarque far-se-à , sem oposição de tropas miguelistas que entre Viana do Castelo e Figueira da Foz tinham mais de 10 000 efectivos sob o comando do Gen. Santa Marta , na tarde de 8 JUL com a cobertura das tropas de Caçadores 5 , os primeiros a por pé em solo nacional . Sob esta protecção irão desembarcar sem qualquer resistência imediata , os 7 500 homens que ficarão conhecidos pela História como os « Bravos do Mindelo » .
Desembarcado D. Pedro , todo o corpo expedicionário se dirige em direcção da cidade do Porto confiantes que uma parte substancial das forças adversas se passaria para o lado liberal , recusando combater contra antigos camaradas de armas , isto é , D. Pedro e todo o seu corpo expedicionário esperavam uma adesão maciça dos portugueses à causa de D. Maria , a legítima rainha .
D. Pedro entrará no Porto pela hoje R. de Cedofeita , aonde os liberais não tardaram a aperceber-se de que S. Marta fugira e evacuara a cidade na noite de 8 para 9 e cortando a Ponte das Barcas se fortificara nos pontos dominantes da margem esquerda do Douro . A adesão maciça esperada da população nunca se irá concretizar , consequência sobretudo da propaganda anti-liberal por parte de todo o clero e até mesmo os liberais portuenses e nortenhos se abstinham de manifestações de júbilo por temerem as represálias que não deixariam de ocorrer na cidade por parte dos absolutistas , como tão bem conheciam , face a tão pequeno grupo militar em comparação com o exército do usurpador .
Tornava-se evidente para os liberais que a tomada de alguns pontos dominantes do lado de Gaia antes que forças absolutistas vindas do Sul para reforçar as tropas de S. Marta chegassem , melhoraria as suas probabilidades de sucesso . Assim a 10 JUL a Divisão Ligeira sob o comando de João Schwalbach ( futuro visconde de Setúbal ) atravessa o rio Douro e ocupa sem grande resistência a importante posição da Serra do Pilar , iniciando os adequados trabalhos de fortificação do terreno . Perde assim o Gen. realista S. Marta um dos pontos mais estratégicos na campanha militar que se irá travar , somando esta perda ao irreparável erro que fizera, durante a retirada da cidade , ao abandonar por precipitação cinco dezenas de canhões e avultada quantidade de munições às forças suas adversárias . Entretanto D. Pedro irá estabelecer no Porto o seu Quartel-General no Palácio das Carrancas , hoje Museu Nacional Soares dos Reis . Mais tarde habitará uma casa à R. de Cedofeita por ser zona mais protegida aos bombardeios da artilharia realista , casa que ainda hoje existe .
Como as forças miguelistas se furtavam ao combate directo , perante o impasse , ausência de adesão franca das populações nortenhas , a desconfiança das tropas liberais nas capacidades próprias para enfrentar um inimigo tão numeroso ia minando o seu moral . Para tentar reaver a confiança que vislumbrava ir esmorecendo , decide D. Pedro e o seu Estado- Maior empreender algumas movimentações militares de envergadura limitada .
As surtidas de forças liberais aos arredores do Porto , irão dar origem aos primeiros combates abertos entre os dois blocos militares . Assim a 18 JUL 1832 trava-se a ACÇÃO DE PENAFIEL quando uma coluna liberal sob o comando de Hodges , recebe ordem para repelir o inimigo desta localidade . Após 3H30 de combate , com cerrada fuzilaria , o contigente miguelista retira após ter perdido cerca de 200 homens . O triunfo pouco aproveita à causa constitucional já que notícias de grandes reforços miguelistas em aproximação , leva as forças de Hodges a retirar para o Porto .
D. Pedro percebe que só um combate decisivo poderia ter um efeito desagregador sobre as hostes miguelistas . Reune em Rio Tinto uma força constituída por todo o corpo expedicionário à excepção do 2º e 3º Batalhões de Infantaria , ordenando de imediato um ataque em força às posições realistas localizadas a Leste do Porto , na zona da Granja aonde corria a ribeira de Sousa , zona também chamada de PONTE FERREIRA . Aqui a 23 JUL 1832 após o primeiro impacto das forças liberais que desalojam da linha de alturas a ala direita das forças miguelistas aí estratégicamente colocada , estas contra-atacam com a sua excelente cavalaria a quem os liberais nada tinham para opor , desbaratando a infantaria liberal que retira . Para sorte da causa constitucional a chefia miguelista não explora o sucesso de imediato , as forças liberais recompõe-se e após vários avanços e recuos um disparo de artilharia liberal acerta em pleno uma coluna miguelista . O pânico instala-se no campo miguelista e o seu contágio leva o seu comando a dar ordem de retirada às suas forças no campo . Vitória liberal inconclusiva por abandono do adversário .
O exército libertador , limitado à cidade do Porto não via como estender a sua influência à restante parte do País dominado espiritual e psicologicamente por um Clero militante , muitos dele acompanhando directamente os soldados miguelistas em pleno campo de batalha de um modo tão fanático , que o grande soldado-poeta Alexandre Herculano , não deixou de o retratar na poesia d`O MOSTEIRO DESERTO : « Na garganta da serra ou sobre o outeiro, / Pelo pinhal da encosta ou da campina, / Nesse dia de atroz carnificina, / Negros, uns vultos vaguear se viam: / A cruz do Salvador na esquerda erguida, / Na dextra o ferro, preces blasfemando: /«Não perdoeis a um só!» feros bradando, /Entre as fileiras rápidos corriam: / E era o Monge que bradava, / E era o Monge que corria, / E era o Monge, que blasfemo / Preces vãs a Deus fazia; /..................../ Essas cenas de luta e de luto / Quem as trouxe a esta terra querida? / Foi o Monge, que em ânimos rudes/ Instalou o furor fratricida/».
O comando do exército liberal , já em desespero de causa , decide de novo procurar a ofensiva quando a desproporção dos meios tal não aconselharia . Resolve-se pois o Alto Comando pelo envio de uma força liberal composta por destacamentos de infantaria 18 e Caçadores 2 , 3 e 5 atacar as posições miguelistas em SOUTO REDONDO , próximo da vila da Feira .Ao primeiro embate as forças realistas recuam atraindo as forças liberais para uma zona altamente defendida . Sofrendo baixas de vulto ( 70 mortos , 105 feridos e 234 prisioneiros ) as forças liberais retiram desordenadamente para o Porto . O Gen. Póvoas , chefe realista e vencedor atónito deste confronto , não envia a sua Cavalaria em perseguição perdendo a hipótese de terminar definitivamente com a causa liberal . No Porto , o próprio D. Pedro face às noticias do desastre , já preparava o reembarque da força expedicionária remanescente para os seus navios ancorados no rio Douro . Porém por falta da perseguição miguelista , todos os sobreviventes da coluna liberal conseguem recolher à cidade .
A partir desta data , face à desvantagem numérica e ausência de forças de cavalaria própria , é decidido passar à defensiva entrincheirando-se as forças liberais nos limites da cidade do Porto ( à época muito mais pequena do que é hoje ) , começando-se a criar uma linha de defesa por todo o perímetro da cidade numa extensão de 13 Km , reforçada por baterias , redutos e fortins .
(continua)
Mário Ribeiro
Linhas defesa sector central do Porto
ANEXO
DO LIVRO DO CORONEL HUGH OWEN (retirado daqui)
O Coronel Owen mostra como o exército liberal desembarcou no Mindelo e ocupou a cidade do Porto, e como é que as forças miguelistas, erradamente, foram respondendo ao desembarque das forças de D. Pedro.
CAPITULO VI
A defesa de Portugal. - Políticos de curta vista. - Erros dos miguelistas. - Invasão de D. Pedro. - Desembargue no Mindelo. - Os miguelistas retiram. - João Branco. - Poucas esperanças. - Inacção dos liberais. - O batalhão sagrado. - Os ilhéus desertam.
PELA linha extensa da costa, o país precisava de uma esquadra para se defender e pôde equipar quinze naus de guerra quando D. Pedro lutava com embaraços quase invencíveis para dispor de alguns barcos necessários à sua empresa. Mas sucedeu que o governo miguelista, tendo ofendido o governo francês, se recusou, teimosamente a explicações, que, apesar de exorbitantes e ultrajantes, facilmente iludiria com promessas nunca efectuadas. Deu assim a um inimigo poderoso, pretexto para se apoderar da esquadra portuguesa. À injusta conduta do governo francês responderam ministros de D. Miguel, políticos de curta vista, recusando anuir ás reclamações da França, na esperança de excitarem a Inglaterra contra a velha inimiga hereditária (1). Mas a Inglaterra sabia que não havia em França segundas vistas sobre Portugal, e o gabinete britânico tacitamente auxiliou a causa de D. Maria II permitindo a violência. Ficaram algumas velhas naus ao abandono e o governo cruzou os braços ... Que se podiam concertar provou-se claramente, quando já não tinham de todo serventia. Se os ministros de D. Miguel preparam outra esquadra com os sete navios que apodreciam no Tejo, D. Pedro não conseguiria facilmente aproximar-se da costa com meia dúzia de barcos. E dado o caso de não impedirem o desembarque do exercito libertador nas praias do Mindelo, dispersariam facilmente os transportes carregados de mantimentos e de munições de guerra, não lhes consentindo descarregar na costa e muito menos o livre acesso à dificultosa barra do Douro.
Os miguelistas, explicou-se, deixaram desembarcar o exército, tencionando destruí-lo depois. Bom método na verdade, desde que se pudesse despender muito talento, muito dinheiro e muito sangue, o que era problemático e incerto com um exército de sentimentos duvidosos.
A 7 de Julho de 1832 ao cair do dia, os soldados estacionados nos telégrafos perto de Vilar do Paraíso descobriram a esquadra de D. Pedro fazendo-se de vela para o norte do Porto. Pelas nove da noite os tambores rufando nas ruas tortuosas da cidade anunciavam aos de dentro e de fora que tudo estava alerta e a postos. D. Pedro continuou na derrota até Vila do Conde e Viana, e na manhã seguinte, aproximando-se da costa, mandou Sá Nogueira à terra citar o comandante a que abaixasse as armas e se unisse à causa da rainha. Mas o brigadeiro general Cardoso, no extremo direito da linha realista, oficial respeitado pelo carácter integro, e em quem o governo miguelista descansava, nunca desde 1820 mudara de opinião. Respondeu insolentemente ao Sá Nogueira, dizendo-lhe que não conhecia D. Pedro senão como chefe de um bando de aventureiros, e que, se insistisse em semelhantes recados, fuzilava o portador. A esquadra retrogradou e ancorou no dia 8 na praia do Mindelo, a distancia de duas léguas do Porto, e pouco depois do meio dia começou o desembarque com a maior regularidade, na presença das tropas de Santa Marta, que mostrava pouca ou nenhuma vontade de molestar os novos hospedes (2). No instante em que a não de D. Pedro içou a bandeira real no mastro grande, a fragata Stag de Sua Majestade Britânica virou de bordo e deu uma salva de vinte e um tiros, a que D. Pedro correspondeu. Muitas pessoas que vigiavam da Senhora da Luz o sucesso do dia, recolheram à cidade, começando a trabalhar pela sua causa; outras, porém, apreensivas, cogitaram em planos de nova vida ...
A tropa formou na praia, tomando logo a melhor posição que o terreno oferecia. Trocaram-se alguns tiros, poucos. Já ninguém ignorava que o exército libertador contava menos de nove mil homens. E não acabava o susto e o pasmo dos liberais ao saberem que com tão pequena força vinha D. Pedro salvar a pátria da tirania e a eles e ás famílias da opressão. Lembravam-se das desgraças, da incompetência e da retirada de 1828, e olhavam uns para os outros em silêncio, e tristes como a noite. Por seu lado os absolutistas, extremamente assustados, apressavam-se a sair da cidade, fugindo de D. Pedro e da mortandade que julgavam certa, mas, fiados nos numerosos partidários e no exercito de D. Miguel, protestavam em altas vozes voltar brevemente em triunfo. Nem outra coisa era de esperar. Menos de nove mil homens para abrir caminho até Lisboa, com mais de oitenta mil na frente e tropa regularmente fardada e armada!
Não obstante a desigualdade do número, sabida por toda a gente, a confusão dos absolutistas chegara ao auge: - Viram o estandarte real de D. Pedro -perguntavam, chegando-se aos grupos embiucados no jozésinho. - Lá está tremulando no mastro grande... - E nesse único facto muitos leram a solução do conflito. - Nunca o exercito se baterá contra ele. - E apressavam a partida. - Ele é Pedro e basta! ... - E davam ordens para a carruagem, cavalos, machos e barcos. - Os malhados, e os pedreiros livres vêem com ele, e hão-de querer vingar-se dós zelosos serviços dos nossos imprudentes realistas. - E deixavam as casas, abandonando tudo. Os vizinhos liberais eram agora os seus melhores amigos: Vossa mercê sabe muito bem senhor Fulano, que eu nunca persegui ninguém; vivi sempre retirado. Não quero senão paz e sossego, e que possamos viver como bons irmãos. Que me importa a mim quem governa o país? -Estes e semelhantes ditos só excitavam compaixão, desprezo e riso. Como tinham mudado tão depressa da arrogância para a humildade; das paixões sanguinárias, da perseguição e da vingança, para sentimentos benignos de amor fraterno!
A classe média dos liberais, duvidosa da fortuna, parecia estupefacta: os que tinham a perder, tremiam ao lembrar-se da ameaça, tão repetida pelos miguelistas, de que a cidade seria saqueada se os obrigassem a retirar. Esconderam-se cuidadosamente em casa. Alguns mais atrevidos mal deitavam o nariz fora das janelas; outros, os indignos, que lisonjeiam todos os partidos sem se declarar por nenhum, corriam de porta em porta espalhando boatos favoráveis, e tentando por excessivas demonstrações de alegria e por extravagantes expressões de parabéns, abrir caminho à protecção futura: - Santa Marta - diziam - está em retirada através do Douro ... - Num instante mãos desconhecidas estilhaçaram as forcas da Praça Nova. Medida prudente, porque num momento de excitação, na entrada do exercito, não seria improvável que fossem novamente guarnecidas de vitimas . . . Era esta pelo menos a opinião dós miguelistas, e não oferece dúvida que foram eles próprios que tomaram rapidamente a precaução de as remover...
A populaça correu à cadeia para livrar todos os presos tanto criminosos como políticos. Alguns embuçados vigiavam pela calada a entrada do edifício: - Ele lá vem - bichanaram uns para os outros. - E logo as clavinas, tiradas para fora dos capotes, estenderam morto o carrasco, o despiedoso e sanguinário sabujo João Branco. Uma vez executada com tanto sangue frio essa acção de há muito concebida, os seus autores retiraram apressadamente e não consta de mais mortes. Presos de quatro anos encontraram-se enfim em liberdade. O exército, aparecendo no dia 9 com D. Pedro à frente, livrou-os da miséria e da fome, e à cidade da opressão e do terror. Mas que quadro triste o da entrada dos libertadores, para todos aqueles cujas cabeças não estavam enfumadas com o entusiasmo do momento! Sete mil e duzentas baionetas na fileira; artilharia - três peças ligeiras puxadas por homens; nem um cavalo para uso dos oficiais de estado-maior! O próprio D. Pedro montava num garrano que lhe tinham oferecido nesse mesmo dia. Fosse por não estarem habituados a marchar, fosse pelo peso das mochilas ou por qualquer outra razão, a tropa parecia esgotada de cansaço, principalmente os ilhéus, que se distinguiam pela cor queimada do rosto (3). O abatimento foi grande na gente capaz de reflexão, habituada a revistas de numerosos batalhões, de um exército que se sabia contar mais de oitenta mil homens. Desanimo ... Nem os presos políticos e os escondidos se apressavam, depois de tantos anos de prisão e privações, a pegar em armas em defesa da causa pela qual tanta miséria tinham sofrido. Muitos abandonaram-na de vez retirando-se. Outros requereram pedindo indemnizações, e receberam esta resposta: «pegue em armas e depois requeira»-golpe mortal nas esperanças dos que cuidavam apossar-se dos ricos benefícios e empregos dos ausentes, já chamados rebeldes. Alguns, achando-se logrados e julgando que os negócios não corriam bem, embarcaram para o estrangeiro à espera do resultado da contenda.
Santa Marta retirou do Douro, estabeleceu atiradores na margem do rio, e coroou as alturas com tropa. Os liberais picavam-se de desprezar essa gente, e dando armas e munições à canalha, começou um tiroteio de parte a parte tão inútil como continuado. E assim, se passaram dois dias, de confusão e desalento. Parecia que os recém-chegados estavam possuídos do mesmo espírito tão prejudicial à causa em 1828. Foi pelo receio de se comprometerem que não forçaram a passagem do Douro nessa mesma tarde ou pelo menos na madrugada do dia seguinte. Já a gente de Vila Nova, alguns milhares de partidários, se queixava amargamente dessa inacção. No terceiro dia enfim, a divisão ligeira sob o comando de Schwalbach atravessou o rio e calou o vergonhoso tiroteio, limpando o terreno por mais de uma legou na estrada de Lisboa. Depois voltou e ocupou Vila Nova durante alguns dias.
Sejamos justos notando a rigorosa disciplina e a moderação do exército liberal. Cria-se que vinham como tigres, matando todos os que resistissem, e vingando-se nos outros dos males infligidos ás famílias. Nas mesmas circunstancias nunca outro exercito se portou assim. Um batalhão. de oficiais supranumerários, imprimiu-lhe carácter e grandeza. Muitos deles, oficiais de cavalaria que tinham servido na guerra peninsular, marchavam na fileira de espingarda ao ombro. Quando foi necessário dispersa-los pelos corpos, o exército sentiu a falta de esse exemplo vivo.
Perceberam-se desde logo no pequeno exército as divergências de opinião que actuaram até ao último tiro dado no Porto. Na noite da chegada desertaram sete ilhéus, levantando o espírito acabrunhado dos oficiais e soldados miguelistas. Mas houvesse o que houvesse a pólvora falara, já os dois exercites se tinham batido, cortara-se o fio, o exército miguelista comprometera-se contra D. Pedro, e a guerra civil começava para só findar pelo total aniquilamento de um dos combatentes ...
NOTAS:
(1) O conde de Basto, ministro da marinha, considerava a esquadra francesa perdida, asseverando: - Deixem-nos entrar a barra e verão! ..: - Assim que viu os navios apresarem dez embarcações de guerra, escapando com dificuldade a nau D. João VI, meteu-se em casa, exclamando: - Os pedreiros livres têm pacto com o diabo!
(2) A esquadra de D. Pedro, composta da fragata Rainha de Portugal, da. corveta Amélia, da escuna Terceira, dum barco a vapor e de dois transportes Eduard e Tyrian chega a S. Miguel a 22 de 1832; aporta à Terceira a 3 de Março. D. Pedro proclama aos por portugueses. Sai de Ponta Delgada a 27 de Junho com os seguintes navios: Rainha de Portugal, 56 peças, fragata D. Maria ll, 48 peças, corveta Amélia, 20 peças, brigues Regência, 16 peças, e conde de Vila-Flor, 16 peças, Liberal, 9 peças, escuna Faial, 15 peças, Graciosa, 11 peças, Terceira, 7, Coquette, 7, Esperança, 7, Eugénia, 10, Prudência, 8 e mais outro navio com 8 peças. Seguem-no 50 transportes com o batalhão de oficiais, o corpo de guias, os regimentos de infantaria 3, 6, 10 e 18, os batalhões de caçadores 2, 3, 5 e 12, o 1.º batalhão de artilharia, o batalhão académico, o batalhão de voluntários da rainha, o batalhão de marinha e o batalhão de atiradores portugueses.
(3) «A maior parte da tropa, bem como os Oficiais traziam barbas compridas, a cujo costume, também o Imperador aderiu. A tropa estava bem vestida e aprovisionada, à excepção do regimento inglês, que estava quase nu». NAPIER.
Fonte:
Hugh Owen,
O Cerco do Porto contado por uma Testemunha - o Coronel Owen,
Porto, Renascença Portuguesa («Biblioteca Histórica, I»), 1915
pp.147-160.
http://www.arqnet.pt/portal/pessoais/owen_mindelo.html
II - Acções militares de D. Pedro para resgatar o trono de sua filha D. Maria
A 7 de Abril de 1831 vê-se D. Pedro I , Imperador do Brasil , obrigado a abdicar deste titulo no Rio de Janeiro libertando-se deste modo o Brasil de qualquer ligação a Portugal . Sai o ex-imperador do Brasil para a Europa aonde prepara uma expedição militar para conseguir resgatar o trono de Portugal para sua filha em quem abdicara a 2 MAIO 1826 . A expedição é preparada em Inglaterra , armada em Belle-Isle e parte para os Açores . Desembarca a 3 Março na Terceira aonde irá preparar a expedição ao Reino . A expedição partirá da ilha de S. Miguel para o continente a 27 JUN com uma força militar de 7 500 homens constituída por 3 Divisões sob o comando do Conde de Vila Flor : - A Divisão Ligeira constituída por Batalhões de Caçadores 2 , 3 e 5 . A 1ª Divisão de Infantaria constituída pelo Batalhão de Caçadores 12 e os Regimentos de Infantaria 3 , 6 e 10 . A 2ª Divisão de Infantaria constituída pelos 1º , 2º e 3º Batalhões de Infantaria 18 e ainda o Batalhão Inglês e o Batalhão de Voluntários da Rainha . Dependendo directamente do comandante do Corpo Expedicionário , o Batalhão Académico , o Batalhão Sagrado ( ou de Oficiais ) e o 1º Batalhão de Artilharia de Campanha ( note-se a ausência de qualquer Batalhão de Cavalaria ) .
No continente aguardava-os os 80 000 homens de D. Miguel !
###
Sabendo de antemão da elevada desproporção das forças em presença , o Estado - Maior de D. Pedro evita o desembarque em Lisboa e rumará a norte aonde a 7 JUL 1832 fica a pairar frente à praia de Pampelido ( junto à povoação de Mindelo ) . O desembarque far-se-à , sem oposição de tropas miguelistas que entre Viana do Castelo e Figueira da Foz tinham mais de 10 000 efectivos sob o comando do Gen. Santa Marta , na tarde de 8 JUL com a cobertura das tropas de Caçadores 5 , os primeiros a por pé em solo nacional . Sob esta protecção irão desembarcar sem qualquer resistência imediata , os 7 500 homens que ficarão conhecidos pela História como os « Bravos do Mindelo » .
Desembarcado D. Pedro , todo o corpo expedicionário se dirige em direcção da cidade do Porto confiantes que uma parte substancial das forças adversas se passaria para o lado liberal , recusando combater contra antigos camaradas de armas , isto é , D. Pedro e todo o seu corpo expedicionário esperavam uma adesão maciça dos portugueses à causa de D. Maria , a legítima rainha .
D. Pedro entrará no Porto pela hoje R. de Cedofeita , aonde os liberais não tardaram a aperceber-se de que S. Marta fugira e evacuara a cidade na noite de 8 para 9 e cortando a Ponte das Barcas se fortificara nos pontos dominantes da margem esquerda do Douro . A adesão maciça esperada da população nunca se irá concretizar , consequência sobretudo da propaganda anti-liberal por parte de todo o clero e até mesmo os liberais portuenses e nortenhos se abstinham de manifestações de júbilo por temerem as represálias que não deixariam de ocorrer na cidade por parte dos absolutistas , como tão bem conheciam , face a tão pequeno grupo militar em comparação com o exército do usurpador .
Tornava-se evidente para os liberais que a tomada de alguns pontos dominantes do lado de Gaia antes que forças absolutistas vindas do Sul para reforçar as tropas de S. Marta chegassem , melhoraria as suas probabilidades de sucesso . Assim a 10 JUL a Divisão Ligeira sob o comando de João Schwalbach ( futuro visconde de Setúbal ) atravessa o rio Douro e ocupa sem grande resistência a importante posição da Serra do Pilar , iniciando os adequados trabalhos de fortificação do terreno . Perde assim o Gen. realista S. Marta um dos pontos mais estratégicos na campanha militar que se irá travar , somando esta perda ao irreparável erro que fizera, durante a retirada da cidade , ao abandonar por precipitação cinco dezenas de canhões e avultada quantidade de munições às forças suas adversárias . Entretanto D. Pedro irá estabelecer no Porto o seu Quartel-General no Palácio das Carrancas , hoje Museu Nacional Soares dos Reis . Mais tarde habitará uma casa à R. de Cedofeita por ser zona mais protegida aos bombardeios da artilharia realista , casa que ainda hoje existe .
Como as forças miguelistas se furtavam ao combate directo , perante o impasse , ausência de adesão franca das populações nortenhas , a desconfiança das tropas liberais nas capacidades próprias para enfrentar um inimigo tão numeroso ia minando o seu moral . Para tentar reaver a confiança que vislumbrava ir esmorecendo , decide D. Pedro e o seu Estado- Maior empreender algumas movimentações militares de envergadura limitada .
As surtidas de forças liberais aos arredores do Porto , irão dar origem aos primeiros combates abertos entre os dois blocos militares . Assim a 18 JUL 1832 trava-se a ACÇÃO DE PENAFIEL quando uma coluna liberal sob o comando de Hodges , recebe ordem para repelir o inimigo desta localidade . Após 3H30 de combate , com cerrada fuzilaria , o contigente miguelista retira após ter perdido cerca de 200 homens . O triunfo pouco aproveita à causa constitucional já que notícias de grandes reforços miguelistas em aproximação , leva as forças de Hodges a retirar para o Porto .
D. Pedro percebe que só um combate decisivo poderia ter um efeito desagregador sobre as hostes miguelistas . Reune em Rio Tinto uma força constituída por todo o corpo expedicionário à excepção do 2º e 3º Batalhões de Infantaria , ordenando de imediato um ataque em força às posições realistas localizadas a Leste do Porto , na zona da Granja aonde corria a ribeira de Sousa , zona também chamada de PONTE FERREIRA . Aqui a 23 JUL 1832 após o primeiro impacto das forças liberais que desalojam da linha de alturas a ala direita das forças miguelistas aí estratégicamente colocada , estas contra-atacam com a sua excelente cavalaria a quem os liberais nada tinham para opor , desbaratando a infantaria liberal que retira . Para sorte da causa constitucional a chefia miguelista não explora o sucesso de imediato , as forças liberais recompõe-se e após vários avanços e recuos um disparo de artilharia liberal acerta em pleno uma coluna miguelista . O pânico instala-se no campo miguelista e o seu contágio leva o seu comando a dar ordem de retirada às suas forças no campo . Vitória liberal inconclusiva por abandono do adversário .
O exército libertador , limitado à cidade do Porto não via como estender a sua influência à restante parte do País dominado espiritual e psicologicamente por um Clero militante , muitos dele acompanhando directamente os soldados miguelistas em pleno campo de batalha de um modo tão fanático , que o grande soldado-poeta Alexandre Herculano , não deixou de o retratar na poesia d`O MOSTEIRO DESERTO : « Na garganta da serra ou sobre o outeiro, / Pelo pinhal da encosta ou da campina, / Nesse dia de atroz carnificina, / Negros, uns vultos vaguear se viam: / A cruz do Salvador na esquerda erguida, / Na dextra o ferro, preces blasfemando: /«Não perdoeis a um só!» feros bradando, /Entre as fileiras rápidos corriam: / E era o Monge que bradava, / E era o Monge que corria, / E era o Monge, que blasfemo / Preces vãs a Deus fazia; /..................../ Essas cenas de luta e de luto / Quem as trouxe a esta terra querida? / Foi o Monge, que em ânimos rudes/ Instalou o furor fratricida/».
O comando do exército liberal , já em desespero de causa , decide de novo procurar a ofensiva quando a desproporção dos meios tal não aconselharia . Resolve-se pois o Alto Comando pelo envio de uma força liberal composta por destacamentos de infantaria 18 e Caçadores 2 , 3 e 5 atacar as posições miguelistas em SOUTO REDONDO , próximo da vila da Feira .Ao primeiro embate as forças realistas recuam atraindo as forças liberais para uma zona altamente defendida . Sofrendo baixas de vulto ( 70 mortos , 105 feridos e 234 prisioneiros ) as forças liberais retiram desordenadamente para o Porto . O Gen. Póvoas , chefe realista e vencedor atónito deste confronto , não envia a sua Cavalaria em perseguição perdendo a hipótese de terminar definitivamente com a causa liberal . No Porto , o próprio D. Pedro face às noticias do desastre , já preparava o reembarque da força expedicionária remanescente para os seus navios ancorados no rio Douro . Porém por falta da perseguição miguelista , todos os sobreviventes da coluna liberal conseguem recolher à cidade .
A partir desta data , face à desvantagem numérica e ausência de forças de cavalaria própria , é decidido passar à defensiva entrincheirando-se as forças liberais nos limites da cidade do Porto ( à época muito mais pequena do que é hoje ) , começando-se a criar uma linha de defesa por todo o perímetro da cidade numa extensão de 13 Km , reforçada por baterias , redutos e fortins .
(continua)
Mário Ribeiro
Linhas defesa sector central do Porto
ANEXO
DO LIVRO DO CORONEL HUGH OWEN (retirado daqui)
O Coronel Owen mostra como o exército liberal desembarcou no Mindelo e ocupou a cidade do Porto, e como é que as forças miguelistas, erradamente, foram respondendo ao desembarque das forças de D. Pedro.
CAPITULO VI
A defesa de Portugal. - Políticos de curta vista. - Erros dos miguelistas. - Invasão de D. Pedro. - Desembargue no Mindelo. - Os miguelistas retiram. - João Branco. - Poucas esperanças. - Inacção dos liberais. - O batalhão sagrado. - Os ilhéus desertam.
PELA linha extensa da costa, o país precisava de uma esquadra para se defender e pôde equipar quinze naus de guerra quando D. Pedro lutava com embaraços quase invencíveis para dispor de alguns barcos necessários à sua empresa. Mas sucedeu que o governo miguelista, tendo ofendido o governo francês, se recusou, teimosamente a explicações, que, apesar de exorbitantes e ultrajantes, facilmente iludiria com promessas nunca efectuadas. Deu assim a um inimigo poderoso, pretexto para se apoderar da esquadra portuguesa. À injusta conduta do governo francês responderam ministros de D. Miguel, políticos de curta vista, recusando anuir ás reclamações da França, na esperança de excitarem a Inglaterra contra a velha inimiga hereditária (1). Mas a Inglaterra sabia que não havia em França segundas vistas sobre Portugal, e o gabinete britânico tacitamente auxiliou a causa de D. Maria II permitindo a violência. Ficaram algumas velhas naus ao abandono e o governo cruzou os braços ... Que se podiam concertar provou-se claramente, quando já não tinham de todo serventia. Se os ministros de D. Miguel preparam outra esquadra com os sete navios que apodreciam no Tejo, D. Pedro não conseguiria facilmente aproximar-se da costa com meia dúzia de barcos. E dado o caso de não impedirem o desembarque do exercito libertador nas praias do Mindelo, dispersariam facilmente os transportes carregados de mantimentos e de munições de guerra, não lhes consentindo descarregar na costa e muito menos o livre acesso à dificultosa barra do Douro.
Os miguelistas, explicou-se, deixaram desembarcar o exército, tencionando destruí-lo depois. Bom método na verdade, desde que se pudesse despender muito talento, muito dinheiro e muito sangue, o que era problemático e incerto com um exército de sentimentos duvidosos.
A 7 de Julho de 1832 ao cair do dia, os soldados estacionados nos telégrafos perto de Vilar do Paraíso descobriram a esquadra de D. Pedro fazendo-se de vela para o norte do Porto. Pelas nove da noite os tambores rufando nas ruas tortuosas da cidade anunciavam aos de dentro e de fora que tudo estava alerta e a postos. D. Pedro continuou na derrota até Vila do Conde e Viana, e na manhã seguinte, aproximando-se da costa, mandou Sá Nogueira à terra citar o comandante a que abaixasse as armas e se unisse à causa da rainha. Mas o brigadeiro general Cardoso, no extremo direito da linha realista, oficial respeitado pelo carácter integro, e em quem o governo miguelista descansava, nunca desde 1820 mudara de opinião. Respondeu insolentemente ao Sá Nogueira, dizendo-lhe que não conhecia D. Pedro senão como chefe de um bando de aventureiros, e que, se insistisse em semelhantes recados, fuzilava o portador. A esquadra retrogradou e ancorou no dia 8 na praia do Mindelo, a distancia de duas léguas do Porto, e pouco depois do meio dia começou o desembarque com a maior regularidade, na presença das tropas de Santa Marta, que mostrava pouca ou nenhuma vontade de molestar os novos hospedes (2). No instante em que a não de D. Pedro içou a bandeira real no mastro grande, a fragata Stag de Sua Majestade Britânica virou de bordo e deu uma salva de vinte e um tiros, a que D. Pedro correspondeu. Muitas pessoas que vigiavam da Senhora da Luz o sucesso do dia, recolheram à cidade, começando a trabalhar pela sua causa; outras, porém, apreensivas, cogitaram em planos de nova vida ...
A tropa formou na praia, tomando logo a melhor posição que o terreno oferecia. Trocaram-se alguns tiros, poucos. Já ninguém ignorava que o exército libertador contava menos de nove mil homens. E não acabava o susto e o pasmo dos liberais ao saberem que com tão pequena força vinha D. Pedro salvar a pátria da tirania e a eles e ás famílias da opressão. Lembravam-se das desgraças, da incompetência e da retirada de 1828, e olhavam uns para os outros em silêncio, e tristes como a noite. Por seu lado os absolutistas, extremamente assustados, apressavam-se a sair da cidade, fugindo de D. Pedro e da mortandade que julgavam certa, mas, fiados nos numerosos partidários e no exercito de D. Miguel, protestavam em altas vozes voltar brevemente em triunfo. Nem outra coisa era de esperar. Menos de nove mil homens para abrir caminho até Lisboa, com mais de oitenta mil na frente e tropa regularmente fardada e armada!
Não obstante a desigualdade do número, sabida por toda a gente, a confusão dos absolutistas chegara ao auge: - Viram o estandarte real de D. Pedro -perguntavam, chegando-se aos grupos embiucados no jozésinho. - Lá está tremulando no mastro grande... - E nesse único facto muitos leram a solução do conflito. - Nunca o exercito se baterá contra ele. - E apressavam a partida. - Ele é Pedro e basta! ... - E davam ordens para a carruagem, cavalos, machos e barcos. - Os malhados, e os pedreiros livres vêem com ele, e hão-de querer vingar-se dós zelosos serviços dos nossos imprudentes realistas. - E deixavam as casas, abandonando tudo. Os vizinhos liberais eram agora os seus melhores amigos: Vossa mercê sabe muito bem senhor Fulano, que eu nunca persegui ninguém; vivi sempre retirado. Não quero senão paz e sossego, e que possamos viver como bons irmãos. Que me importa a mim quem governa o país? -Estes e semelhantes ditos só excitavam compaixão, desprezo e riso. Como tinham mudado tão depressa da arrogância para a humildade; das paixões sanguinárias, da perseguição e da vingança, para sentimentos benignos de amor fraterno!
A classe média dos liberais, duvidosa da fortuna, parecia estupefacta: os que tinham a perder, tremiam ao lembrar-se da ameaça, tão repetida pelos miguelistas, de que a cidade seria saqueada se os obrigassem a retirar. Esconderam-se cuidadosamente em casa. Alguns mais atrevidos mal deitavam o nariz fora das janelas; outros, os indignos, que lisonjeiam todos os partidos sem se declarar por nenhum, corriam de porta em porta espalhando boatos favoráveis, e tentando por excessivas demonstrações de alegria e por extravagantes expressões de parabéns, abrir caminho à protecção futura: - Santa Marta - diziam - está em retirada através do Douro ... - Num instante mãos desconhecidas estilhaçaram as forcas da Praça Nova. Medida prudente, porque num momento de excitação, na entrada do exercito, não seria improvável que fossem novamente guarnecidas de vitimas . . . Era esta pelo menos a opinião dós miguelistas, e não oferece dúvida que foram eles próprios que tomaram rapidamente a precaução de as remover...
A populaça correu à cadeia para livrar todos os presos tanto criminosos como políticos. Alguns embuçados vigiavam pela calada a entrada do edifício: - Ele lá vem - bichanaram uns para os outros. - E logo as clavinas, tiradas para fora dos capotes, estenderam morto o carrasco, o despiedoso e sanguinário sabujo João Branco. Uma vez executada com tanto sangue frio essa acção de há muito concebida, os seus autores retiraram apressadamente e não consta de mais mortes. Presos de quatro anos encontraram-se enfim em liberdade. O exército, aparecendo no dia 9 com D. Pedro à frente, livrou-os da miséria e da fome, e à cidade da opressão e do terror. Mas que quadro triste o da entrada dos libertadores, para todos aqueles cujas cabeças não estavam enfumadas com o entusiasmo do momento! Sete mil e duzentas baionetas na fileira; artilharia - três peças ligeiras puxadas por homens; nem um cavalo para uso dos oficiais de estado-maior! O próprio D. Pedro montava num garrano que lhe tinham oferecido nesse mesmo dia. Fosse por não estarem habituados a marchar, fosse pelo peso das mochilas ou por qualquer outra razão, a tropa parecia esgotada de cansaço, principalmente os ilhéus, que se distinguiam pela cor queimada do rosto (3). O abatimento foi grande na gente capaz de reflexão, habituada a revistas de numerosos batalhões, de um exército que se sabia contar mais de oitenta mil homens. Desanimo ... Nem os presos políticos e os escondidos se apressavam, depois de tantos anos de prisão e privações, a pegar em armas em defesa da causa pela qual tanta miséria tinham sofrido. Muitos abandonaram-na de vez retirando-se. Outros requereram pedindo indemnizações, e receberam esta resposta: «pegue em armas e depois requeira»-golpe mortal nas esperanças dos que cuidavam apossar-se dos ricos benefícios e empregos dos ausentes, já chamados rebeldes. Alguns, achando-se logrados e julgando que os negócios não corriam bem, embarcaram para o estrangeiro à espera do resultado da contenda.
Santa Marta retirou do Douro, estabeleceu atiradores na margem do rio, e coroou as alturas com tropa. Os liberais picavam-se de desprezar essa gente, e dando armas e munições à canalha, começou um tiroteio de parte a parte tão inútil como continuado. E assim, se passaram dois dias, de confusão e desalento. Parecia que os recém-chegados estavam possuídos do mesmo espírito tão prejudicial à causa em 1828. Foi pelo receio de se comprometerem que não forçaram a passagem do Douro nessa mesma tarde ou pelo menos na madrugada do dia seguinte. Já a gente de Vila Nova, alguns milhares de partidários, se queixava amargamente dessa inacção. No terceiro dia enfim, a divisão ligeira sob o comando de Schwalbach atravessou o rio e calou o vergonhoso tiroteio, limpando o terreno por mais de uma legou na estrada de Lisboa. Depois voltou e ocupou Vila Nova durante alguns dias.
Sejamos justos notando a rigorosa disciplina e a moderação do exército liberal. Cria-se que vinham como tigres, matando todos os que resistissem, e vingando-se nos outros dos males infligidos ás famílias. Nas mesmas circunstancias nunca outro exercito se portou assim. Um batalhão. de oficiais supranumerários, imprimiu-lhe carácter e grandeza. Muitos deles, oficiais de cavalaria que tinham servido na guerra peninsular, marchavam na fileira de espingarda ao ombro. Quando foi necessário dispersa-los pelos corpos, o exército sentiu a falta de esse exemplo vivo.
Perceberam-se desde logo no pequeno exército as divergências de opinião que actuaram até ao último tiro dado no Porto. Na noite da chegada desertaram sete ilhéus, levantando o espírito acabrunhado dos oficiais e soldados miguelistas. Mas houvesse o que houvesse a pólvora falara, já os dois exercites se tinham batido, cortara-se o fio, o exército miguelista comprometera-se contra D. Pedro, e a guerra civil começava para só findar pelo total aniquilamento de um dos combatentes ...
NOTAS:
(1) O conde de Basto, ministro da marinha, considerava a esquadra francesa perdida, asseverando: - Deixem-nos entrar a barra e verão! ..: - Assim que viu os navios apresarem dez embarcações de guerra, escapando com dificuldade a nau D. João VI, meteu-se em casa, exclamando: - Os pedreiros livres têm pacto com o diabo!
(2) A esquadra de D. Pedro, composta da fragata Rainha de Portugal, da. corveta Amélia, da escuna Terceira, dum barco a vapor e de dois transportes Eduard e Tyrian chega a S. Miguel a 22 de 1832; aporta à Terceira a 3 de Março. D. Pedro proclama aos por portugueses. Sai de Ponta Delgada a 27 de Junho com os seguintes navios: Rainha de Portugal, 56 peças, fragata D. Maria ll, 48 peças, corveta Amélia, 20 peças, brigues Regência, 16 peças, e conde de Vila-Flor, 16 peças, Liberal, 9 peças, escuna Faial, 15 peças, Graciosa, 11 peças, Terceira, 7, Coquette, 7, Esperança, 7, Eugénia, 10, Prudência, 8 e mais outro navio com 8 peças. Seguem-no 50 transportes com o batalhão de oficiais, o corpo de guias, os regimentos de infantaria 3, 6, 10 e 18, os batalhões de caçadores 2, 3, 5 e 12, o 1.º batalhão de artilharia, o batalhão académico, o batalhão de voluntários da rainha, o batalhão de marinha e o batalhão de atiradores portugueses.
(3) «A maior parte da tropa, bem como os Oficiais traziam barbas compridas, a cujo costume, também o Imperador aderiu. A tropa estava bem vestida e aprovisionada, à excepção do regimento inglês, que estava quase nu». NAPIER.
Fonte:
Hugh Owen,
O Cerco do Porto contado por uma Testemunha - o Coronel Owen,
Porto, Renascença Portuguesa («Biblioteca Histórica, I»), 1915
pp.147-160.
http://www.arqnet.pt/portal/pessoais/owen_mindelo.html
Escrito por Elise às 10:26 da tarde
2 Comments:
Muito Interessante!... Se bem, que um pouco extenso, na descrição de pormenores, não obstante, no seu todo estar bastante bom.
Um abraço amigo para o MAR :)
Um abraço amigo para o MAR :)
Verdadeira lição de História! :) bjo Áurea.
It's a perfect day... Elise!
He got burned by the sun
His face so pale and his hands so worn
Let himself in room 509
Said a prayer, and cried, 'it's a perfect day elise'
Blog de Elizabete Dias
Acerca de mim
- Nome: Elise
- Localização: Maia, Porto - Centro do Mundo, Portugal
letterstoelise@gmail.com
This blog in silly english
Site Feed